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Terrorismos

Autor(a)

Flavia Virginia

Data

July 22, 2006

Língua

Português (PT)

Categoria

Jornal

Publicação

Jornal de Angola

בס"ד

Terrorismos


Outra coisa extremamente singular no mundo dos e-mails é o novo tipo de terrorismo que veio com os eles: não, não estou falando dos vírus, mas daquelas correntes que dizem que, se você não mandá-las imediatamente para 15 pessoas, algo terrível lhe vai acontecer, como um acidente de automóvel, falência ou a perda de entes queridos. Como comprovação, várias descrições de exemplos de casos infelizes, feitas pelo próprio autor. Ou seja, já não basta mais contar com as ameaças reais do nosso quotidiano, agora temos que aturar também ameaças virtuais!


Gostaria de saber o que é que se passa na cabeça do indivíduo que inventou isso. Será que ele pensa que sua corrente é uma espécie de obra de arte, e que o e-mail é seu meio de comunicação? Então, para evitar uma negativa do público à apreciação de sua obra, ameaça-o com os mais diversos reveses. Permitam-me transportar essa hipótese para outra cena, digamos assim, uma galeria de arte. O artista contrataria uma série de bandidos armados até os dentes, mas que estariam posicionados escondidos do público. Quando este estivesse dentro da galeria, aqueles apareceriam, coagindo as pessoas a comprarem as obras, os críticos a rasgarem-se em elogios, os curadores a estalarem-se por serem os primeiros a reproduzir a exposição. 


Isso, claro, supondo-se que o criador do e-mail terrorista se acreditasse um artista. Pode ser outra coisa, como por exemplo alguém com uma personalidade alarmista, do tipo “descobri a pólvora e vocês humanos, têm que usufruir dela também!”. Alguém que crê que a imposição do medo é o melhor método educacional. Um catequista da pós-modernidade. 


Também recebo sempre alguns e-mails do Dalai Lama, conhecem? É divertido ver como o Dalai Lama dispõe de tempo para enviar mensagens electrónicas para a malta entre uma e outra viagem em que trata de conseguir a libertação do Tibete. Que disposição, não? Embora ele mesmo não ameace ninguém, sempre quem as encaminha faz questão de lembrar-nos que, se não as reenviarmos para pelo menos 20 pessoas, alguma desgraça vai acontecer-nos. 


A meu ver, entretanto, o mais chato de todos é aquele e-mail, sempre em Power Point, por isso demoradíssimo de baixar para quem não tem banda larga, que faz um lindo elogio à amizade, com fotos de flores, anjos, locais bonitos, etc., só para no final dizer: “envie este e-mail para 9 de seus melhores amigos, inclusive para aquele que lho enviou, para que saiba o quão importante é ele para si”. Isso é um tremendo golpe baixo. Você levou horas para conseguir abrir, agora tem que gastar mais outro tempo enorme para enviar para 9 outras pessoas, e de volta para quem lhe mandou, só para que ele não fique tristinho. 


É nessas horas que a gente pensa: que vírus, que nada. O vírus a gente sana, gasta uns trocados, mas sana. Mas essas correntes... Eu já devo ter deixado vários amigos a pensar que não gosto deles, quando na verdade não gosto é de expedir mensagens por obrigação. Mas como é que vamos chegar para alguém e dizer: “ouve lá, pá, não sejas melga, meu, eu não te mando é nada, tenho mazé o que fazer na rede, pá, que chatice!”? Pois é, não dá e é por isso mesmo que a coisa toda se afigura como uma nova forma de terrorismo, apesar do cariz sofisticado, que divide os usuários da rede em três diferentes grupos: a) partidários do web-terrorismo do bem: aqueles que viram presa dos e-mails “amigos”; b) partidários do web-terrorismo do mal: aqueles que se aliam, geralmente com alegria, diga-se de passagem, às correntes fatalistas; ou ainda c) não-partidários: revoltados com os meios coercitivos utilizados pelos grupos acima, os não-partidários têm como característica a quebra deliberada das correntes e a igualmente intencional não-demonstração de sua amizade, por maior que seja, através de reenvios. 


Eu faço parte do grupo c; aliás, eu FUNDEI o grupo c. Qualquer corrente que vier para mim vai quebrar-se em pedacinhos na minha lixeira, já aviso. E as mensagens fofinhas... vão igualmente lá parar, embora eu lembre-me frequentemente dos meus amigos e quando recebo os tais e-mails recorde-me deles também, embora aí já com uma certa tristeza. Mas não se preocupem, minha lixeira é super confortável e está sempre limpinha.


Flavia Virginia

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